Logística da Percepção
por Eduardo Barros Mariutti
Antoine-Henri Jomini (1779-1869) é considerado um dos pioneiros no estudo da logística militar, a “arte prática de mover exércitos”. Ele ressalta a importância da organização e do suprimento eficaz de recursos – munição, alimentos, assistência médica etc. – para a conduta eficaz da guerra. Contudo, pelos critérios contemporâneos, sua visão pode ser considerada muito restrita: ele pensava a questão do ponto de vista da campanha militar circunscrita a um objetivo estratégico. As guerras totais do século XX, contudo, demandaram um alargamento dessa definição. O Almirante Henry Effingham Eccles em Logistics in the National Defense (1959), por exemplo, afirma que a logística deve ser vista como o vínculo entre as operações militares e a economia nacional, a qual deve ser capaz de responder de forma rápida e sustentada à incrementos abruptos da demanda militar por recursos humanos e materiais por conta de conflitos inesperados.
No entanto, Paul Virilio utiliza de forma ainda mais ampla este princípio. Em Guerra e Cinema (2005) ele afirma que atividade militar sempre envolveu alguma forma de gestão da imagem – mapas rudimentares, olheiros a cavalo etc. – e da comunicação para planejar e conduzir as batalhas. Mas a Primeira Guerra Mundial – um conflito baseado na motorização – explicitou a necessidade de desenvolver uma logística da percepção, isto é, de criar formas de visualização do conjunto das forças em antagonismo no campo de batalha e, também, de se aprimorar sistemas de processamento e de transmissão de informações que possibilitem a coordenação e a execução da atividade militar de forma cada vez mais acelerada e preditiva. A Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria intensificaram ainda mais esta tendência. Os tempos de resposta se tornaram extremamente curtos, comprimidos pela tensão entre o tempo real e o delay.
O fato é que a logística da percepção explicita o deslocamento do eixo estratégico centrado no campo de batalha não apenas para o conjunto de organização social (como já havia sugerido Eccles), mas também para o campo multidimensional da visão e da percepção por meio de um intricado conjunto de sistemas sociotécnicos baseados crescentemente na automação da percepção e na inteligência artificial. Nas palavras do próprio Virilio: “Assim, ao lado da ‘máquina de guerra’ existe desde sempre uma máquina de espiar (ocular, ótica e depois eletro-óptica), capaz de dar aos combatentes, mas sobretudo aos comandantes, uma visão perspectiva da ação militar em curso.” Ver sem ser visto e causar dano furtivamente se converte em uma vantagem decisiva neste tipo de guerra, fato que altera significativamente as estratégias de dissuasão e a própria conduta da guerra.
Pode-se afirmar com segurança que o espaço da guerra não é mais centrado exclusivamente no convencional espaço-de-lugares, mas em um espaço de fluxos (John Ruggie) que se manifesta predominantemente no campo eletrônico da percepção sintética e multiespectral da realidade, uma zona baseada na comunicação de informações destinada a gerir os sistemas de projeção de poder. James Der Derian (“The (s)pace of international relations: simulation, surveillance, and speed”) usa um trocadilho bastante ilustrativo: esta transformação evidencia uma passagem da centralidade do campo de batalha (battle-site) para o campo de visão da batalha (battle-sight), fato que sobreleva a importância da camuflagem e das táticas diversionistas no combate. Não é exagerado dizer que os conflitos contemporâneos são fortemente baseados na percepção e na dissimulação (deception, em tradução livre).
Eduardo Barros Mariutti – Professor do Instituto de Economia da Unicamp, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas da UNESP, UNICAMP e PUC-SP e membro da rede de pesquisa PAET&D.